Minha Mãe

Decidi quebrar um tabu. Vou falar de sentimentos particulares... E daí? A maioria dos que perseguem esse blog (ou são perseguidos por ele) não sabe que minha mãe morreu há aproximadamente dez anos. Foi de repente, rápido e cruel. O que seria um problema de simples resolução se tornou numa das maiores perdas de minha vida.

Falar da dona Eunice em público nunca foi uma tarefa fácil. Sua personalidade fortíssima coabitava com um amor visceral pelos filhos. Ela era daquelas mães da comida quente e deliciosa, da roupa impecável, da casa organizada, da gargalhada alta, das chantagens emocionais, dos rompantes de raiva. Neta de ex-escravos por parte de pai e de colonos italianos por parte de mãe, contava com romantismo a saga de seus pais para se casarem numa época em que o Brasil não fazia questão alguma de disfarçar seus preconceitos. Minha mãe era uma figura de contrastes. Tinha a uma habilidade manual sem comparações e, ao mesmo tempo, tinha a letra feia. Era a primeira a nos colocar em posição de firmeza diante dos problemas, mas se derretia ao menor gesto de carinho. Dizia que criava os filhos para a vida, mas se intrometia nos segredos de nossa adolescência. Ela adorava música, cantava no coral da igreja e eu ainda ouço suas cantorias pela casa. Desde os hinos do Cantor Cristão* até os boleros de Angela Maria, passando por Sandra de Sá. Acho que minha musicalidade foi altamente influenciada por ela.

Nunca escrevi sobre minha mãe. Sobre a perda e a falta. Após a sua morte, decidi viver a vida intensa e velozmente, buscando não me amarrar no sofrimento que a ausência trazia. Graças à Deus, foi uma boa saída, admito e aconselho. Contudo, há momentos em que tudo o que gostaria era encontrá-la novamente. Receber o seu abraço e suas broncas. Gostaria que ela soubesse que ela nos faz falta como mãe e avó. Que os valores de caráter e fé que foram passados ainda são seguidos. Que ela lesse meus textos, mesmo que não gostasse. Que ela soubesse que, apesar da luta, estamos todos bem e prosseguindo.

Para os que tem suas mães vivas, diria que a diferença é melhor que a indiferença. Vivam ao máximo essa relação. Tem vezes que é difícil demais conciliar maneiras discordantes de pensamentos e opiniões. Acreditem, é muito mais complicado viver sem isso. Então, não aproveitem somente o Dia das Mães, mas também a mãe de todos os dias.

*Hinário utilizado na liturgia da Igreja Batista, quando esta freqüentemente tinha boa música em seus cultos.

Comentários

  1. linda essa declaracao de amor e reconhecimento `a sua mae.

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  2. Querido amigo,

    sua sensibilidade toca. Definitivamente vc precisava escrever isso para lermos...

    Bj.

    Cris

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