Mercado das Peles

O ano é 2020. Em uma universidade pública do Brasil, quinze jovens mestiços perfilados adentram a uma sala e ficam de frente para uma banca examinadora. Eles estão nus, constrangedoramente nus. Alguns choram, outros tem os olhos tomados de ódio, alguns poucos riem do ridículo da cena. A banca é formada por um antropólogo, um biólogo uma psicóloga e uma pedagoga. Os quinze jovens tem suas cabeças, suas genitálias e membros medidos. O biólogo examina as gengivas, dedos e artelhos dos rapazes. O verdadeiro mercado de gente se instala.

O que parece uma cena de duzentos anos pode ser a cena que nos espera no futuro. Não gostaria de cair no lugar comum, até porque minha opinião sobre questões raciais não é nada comum. Sou contra qualquer estatuto de igualdade racial no Brasil. Já temos um estatuto, a Constituição Brasileira. Nela estão assegurados todos os direitos de todos os cidadãos, independente da cor de sua pele. Cotas, ações afirmativas ou qualquer medida nessa linha não seriam necessárias se as mesmas pessoas que querem enfiá-las em nossas goelas cumprissem o que está escrito na Constituição, que é garantir educação, saúde e condições de exercício da cidadania. Se somos todos iguais perante a lei, então que se cumpra a lei. Nada mais.

Ontem, em Brasília (sempre Brasília), assistimos a um espetáculo da da cegueira social com relação ao racismo. O presidente da comissão que analisa o Estatuto da Igualdade Racial, Carlos Santana, humilhou um assessor parlamentar em público, por um negro assessorar os parlamentares que não são a favor das medidas propostas. O nobre deputado esqueceu que o funcionário em questão está lá para assessorar, somente isso. Seu trabalho é prestar apoio aos deputados, independente da corrente política.

Preocupa-me essa insistência institucional com essa coisa de cotas. Eu sou negro, sou contra as cotas e me sinto quase um criminoso por isso. Uma espécie de “negro fujão”, com o capitão-do-mato no meu encalço. Ser negro e contra as cotas é ter que entoar o mantra de que cotas são um engodo, uma marca na testa, um demérito e não um prêmio como muitos pensam. Por favor, acordem! Não quero isso para mim nem para ninguém. Qualquer tipo de privilégio desse tipo reduz seus beneficiários a cidadãos de segunda categoria. Somos mestiços, não há método para definir a raça de ninguém com precisão. E o que isso importa? Pele, cor, nada disso importa, mas sim o mérito e o esforço pessoal. Essa gente esqueceu de que um dos princípios de um estado democrático é a meritocracia. O que se desenha é uma caminhada para um regime raciocrata, muito parecido com os regimes totalitários. Se você está a favor, ou na cor, do regime você tem tudo. Caso contrário, salve-se se puder.

A turma que insiste nas cotas tinha que pedir desculpas para a sociedade e dizer para os negros o seguinte: “Perdão, por nesse tempo todo, ao invés de exigir que a Constituição seja respeitada e cumprida, ficamos fazendo esse jogo de cena. Afinal, cumprir o que está escrito não chama a atenção nesse país e a gente sempre gostou de fazer um barulho. Perdão por não mostrar a população que condições de educação igualitárias começam na escola primária, onde nossas crianças dão seus primeiros passos no mundo do conhecimento. Perdão, por eleger uma senadora negra, mulher e favelada que construiu uma banheira de hidromassagem no apartamento funcional e viajou a passeio para a Argentina com o dinheiro dos contribuintes, igual a todos os outros parlamentares de Brasília. Perdão, por querer tornar os negros e mestiços brasileiros em verdadeiros párias da sociedade, mendigando a esmola estatal. Perdão, por tentar transformar o Brasil em um país de guetos, contrariando a história da humanidade.”

Comentários

  1. Muito bom esse artigo. É isso aí, chega de esmolas! Precisamos de igualdade. Não queremos reparação, mas sim ação em prol da tão justa igualdade de oportunidade. E isso, amigos, se faz com ações de base: educação!

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  2. Excelente!
    A política do PT é isso aí: rico x pobre, interior x capital, negros x brancos...nós somos todos uma única raça, a raça humana. Esse discurso "black/white" é ultrapassado e essas ações afirmativas não deram certo em outros lugares.Mas como nessa terrinha o pessoal adora copiar o que vem de fora...salve-se quem puder!

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