Assim Você Mata o Papai - Uma crônica sobre o lixo musical na atualidade.
Uma vez ouvi que a cantora Nana Caymmi disse que se pudesse
falar com Elis Regina, contaria que certas coisas não haviam mudado. Pois, se
no tempo de Elis tinha a Gretchen com seu Conga Conga Conga, naquele
momento o que estourava eram duas dançarinas Segurando o Tchan, sucesso
grudento que infernizou os ouvidos nos anos 1990. Não sei se o episódio é real,
mas ele retrata bem o fato de que sempre se ouviu e viu coisa ruim. Mas agora
os níveis são preocupantes.
Fenômenos como os citados acima são normais na história do
entretenimento. Alguém aparece fazendo algo descartável que fica nos ouvidos da
massa, conquista as paradas de sucesso, ganha um caminhão de dinheiro e depois
desparece. Na década de 1970, um cantor chamado Silvio Brito lançou Farofa,
com um refrão peguento. Depois disso, ele e sua farofa desapareceram. A década
de 1980 foi rica em junk music. Sérgio Mallandro com sua Vem Fazer
Glu-Glu é um bom exemplo. Só não foi pior porque nesta mesma época
começaram a aparecer as bandas de rock nacionais de maior expressão ― Titãs,
Paralamas, Legião, Capital Inicial, Kid Abelha, Ira, etc. Graças à Deus, este
período foi talvez o último verdadeiramente fértil de boa música no mundo. O
que ajudou a limpar logo a sujeira.
Contudo, o que vemos atualmente é de entristecer. Se um dia
tivemos Madona escandalizando por seus shows e performances eróticas, não
podíamos declarar que a qualidade de suas músicas era ruim. Contemporânea de
Madona ― e muito menos bem sucedida ― Cyndi Lauper teve uma versão de um de
seus maiores sucesso, Time After Time, gravada por ninguém menos que
Miles Davis. Hoje o contraponto de Madona é uma doida, que se veste com pedaços
de carne, Lady Gaga. E Cyndi, com seu ar de menina de família tentando ser
rebelde, talvez seja a antecessora de Miley Cyrus. Que já ficou maluca com o
sucesso e logo teremos más notícias da mocinha. Hoje, o porto de
garoto-prodígio da música internacional é ocupado por Justin Bieber, que faz
shows auxiliado por um desavergonhado playback. Posto que já foi de Michael
Jackson e de Stevie Wonder. No hip-hop, que era uma das maneiras de protesto
dos negros americanos, o lance é xingar as mulheres, inclusive a própria
namorada.
Pelos lados de cá, Michel Teló, que pelo menos colaborou
para o equilíbrio da nossa balança comercial de lixo musical, por conta de sua Ai,
se eu te pego. Uma multidão segura um tchum e um tcha, numa
das manifestações mais irritantes que eu tenho notícia. A música, assim como
qualquer expressão artística, é reflexo de uma sociedade. Se esta sociedade é
pujante e rica culturalmente, o reflexo é direto em suas manifestações. Bons
exemplos são a Semana de Arte Moderna de 1922 e a Tropicália. Hoje é
praticamente impensável movimentos desta natureza em nosso país. Onde se
questionaria os valores sociais e artísticos, com uma alternativa nova e rica
de talentos e possibilidades. E parece que é esse o novo “esquema”. O ruim
ganhou de vez o horário nobre. Regina Casé (já disse isso antes), em seu
programa induz o público à confundir (acredito piamente que o faz de propósito)
o popular com o ruim. Pedro Bial, que foi um dos maiores correspondentes
internacionais do jornalismo brasileiro, se transformou no cicerone de imbecis
trancafiados dentro de uma casa, em busca de sucesso imediato. Imediato, tudo é
imediato. Reflexo de nossos tempos. Imediato, obsoleto precoce e descartável. É
o que temos. Cuidado com o prazo de validade. “Assim, você mata o papai.”
Alexson, gostei do texto, é bastante oportuno. Queria fazer apenas uma correçãozinha: Sílvio Brito não era o cantor de "Farofa-fá", e sim um cara chamado Mauro Celso. Brito era um su-sub-Raul Seixas que lançou "Pare o mundo que eu quero descer"' "Tá todo mundo louco, oba", "Chacrilongo" e outras bobagens.
ResponderExcluirRodrigo, valeu a lembrança. Mauro Celso interpretou a música. Silvio Brito a compôs e também interpretou. Um abraço.
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