Cortando na carne

Hoje a agência de notícias Efe publicou que o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou que está sendo preparado um programa de cortes de gastos da máquina pública, visando a recuperação econômica do país. Segundo Obama, “não haverá vacas sagradas nem projetos imprescindíveis”, numa referência clara aos projetos de legisladores em defesa de seus próprios interesses. Uma das justificativas dadas é a de que o governo tem que fazer o mesmo que as famílias estadunidenses estão fazendo, tomando decisões difíceis para se reerguerem.

O forte indício de que o governo americano vai cortar na própria carne provoca (pelo menos em mim) uma reflexão imediata sobre o comportamento de Brasília diante da crise mundial. O que nos é apresentado pelo planalto central é uma farra de gastos, como “nunca antes na história desse país”. O paquiderme público brasileiro está cada vez mais inchado, gastão e compulsivo. Existem duas artérias abertas: os gastos com custeio e os problemas de arrecadação. Pelo visto, a postura tomada é a pior possível. Gasta-se mais e arrecada-se menos. Além de gastar mais, gastamos errado. Veja o exemplo do legislativo, os últimos escândalos mostram uma pontinha da farra. Um deputado federal custa aos cofres públicos em torno de R$ 1,5 milhões/ano. Como são 513 deputados, o total anual que a câmara evapora é de R$ 720 milhões, aproximadamente. O senado, com seus 181 diretores (50 indicados pelo Sarney), custa R$ 3 bilhões.

O governo diminuiu sua base de arrecadação, devido à redução de IPI de produtos como automóveis e recentemente da linha branca de eletrodomésticos. Essa redução é uma tentativa de reaquecer o consumo, que já gerava uma queda na receita. Qualquer pessoa que tenha a percepção que vai além das primeiras páginas de jornal penduradas nas bancas sabe que o consumo não vai voltar aos patamares tão cedo. Ou seja, a conta não fecha. É como a família que tem sua renda diminuída e insiste em manter o mesmo padrão de consumo. Na última semana, assistimos a liberação de dinheiro para as prefeituras ― outro problema, prefeituras que não se agüentam sozinhas, mas são currais eleitorais dos caciques que sustentam politicamente o governo. Vimos também o congresso institucionalizar a picaretagem das passagens aéreas. E Lula ainda oferece um empréstimo ao FMI. Um luxo só. Agora somos emprestadores do FMI. A que juros? Os mesmos que basearam nossas tomadas de empréstimos?

Minha reflexão é condenada à comparação. De um lado, Obama assume o problema, não esconde a situação e diz querer romper com os maus hábitos de uma má-administração. Estamos falando da nação mais rica do mundo, onde as coisas funcionam, a indústria é pulsante e que só o estado Texas tem um PIB maior que o do Brasil. De outro lado, Lula, o “cara”, foge de encarar a crise como gente grande, banaliza os problemas, fala para uma platéia ignorante (em franco processo de infantilização) e abre cada vez mais as torneiras. Ele tem que pagar a dívida com os sindicatos e os beija com aumentos seguidos no funcionalismo. Deve também aos fisiologistas do legislativo e se cala diante da aberração que é o congresso brasileiro.

Na década passada, o antiamericanismo foi exacerbado. Por causa de um homem, julgaram uma nação. O homem agora é outro. Isso pode arrefecer as idéias e clarear as mentes. Torço por isso. Uma recuperação da economia americana, tendo como um dos instrumentos o corte de gastos públicos e uma gestão mais eficiente, pode ser um alerta mostrar que grandes governos são os que não passam por crises. Mas sim aqueles que sabem como sair delas melhores do que entraram.

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