Gatos Mestres

Um dia desses, estava eu no deleite de um cafezinho, no centro do Rio de Janeiro. Quando me aparecem dois senhores bem vestidos, aparentando serem de boa situação social, não só pela aparência, mas pelo linguajar. O assunto da conversa deles (impossível não ouvir) era o esquema que um dos honrados cidadãos tinha conseguido para colocar um gato da NET na sua casa. “Paguei cinqüenta pratas para o técnico e tudo resolvido. Agora eu assisto aos jogos em pay-per-view, sem pagar nada. É só colocar no canal, uma maravilha.” Ou seja, o que era pay-per-view se transformou em free-per-view, se é que o termo existe.

Há alguns anos, numa festa de uma amiga do trabalho, algo similar aconteceu. Uma daquelas figuras que se metem em todas as conversas e falam sobre todos os assuntos, com a imprudência típica dos ignorantes metidos a enciclopédias humanas, contava com detalhes como fez a ligação clandestina do ponto adicional da TV a cabo em seu humilde chateou, na zona sul carioca. Há alguns meses, a polícia do Rio de Janeiro expulsou os traficantes do morro Santa Marta, o Estado construiu novas casas e deu alguns ares de legalidade ao local. Na cerimônia de entrega das chaves das novas casas, o líder daquela comunidade reclamou que o pessoal estava sem o sinal de TV a cabo — que era fornecido pelos traficantes. Sem demora, o governador do estado em seu discurso, tratou de enquadrar o sujeito. Disse que a cidadania e a legalidade tem benefícios, mas tem preços a serem pagos.

Os exemplos acima são para mostrar que nós merecemos tudo o que acontece com esse país. Nós merecemos Sarney, Calheiros, Collor (duas vezes), Maluf (já perdi as contas), Palocci, Delúbio, Dirceu e tantos outros. Eles são os mestres dos gatos, da engenharia das alianças, do “dois pra cá, dois pra lá”. A mania de associar a simpatia pela margem ao pobre sem instrução é errada. Assim como escamotear a predileção pelo caminho mais fácil que grande parte da população desenvolveu. Se um serviço é caro, escolhe-se uma maneira de tê-lo por meio heterodoxos. Um dia desses me deram o troco errado para mais e eu devolvi a diferença. Quase tive a coitada da caixa aos meus pés. Hoje, ao recomendar alguém, é comum dizer: é uma pessoa honesta. Pára tudo! Honestidade virou qualidade, diferencial. Deixou de ser condição comum a todos. A exceção é o cabra não ser honesto. Então a exceção virou regra? Por favor, alguém me diga que não.

O jogo de espelhos continua. Vai ficar tudo do jeito que está, ou até piorar? A culpa é de quem fecha os olhos, se finge de morto ou da turma do “é assim mesmo”? Danou-se então? Salve-se quem puder. Ou quiser.

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