Inconsciência Negra

No final do 20 de novembro, eu me sentia e me via mais negro. A praia estava ótima. O sol brilhante, e a água refrescante. Cheguei cedo e achei uma vaga para o carro facilmente.

Feriado estranho esse: Dia da Consciência Negra. Criado no Rio de Janeiro e que vem se espalhando por vários locais, ele é um deleite para os grupos da militância negra e para os oportunistas de plantão. Todo ano é a mesma coisa. Um mega despacho nas cercanias da estátua de Zumbi dos Palmares na Avenida Presidente Vargas, gente fantasiada com aquelas roupas coloridas e, claro, muitos discursos engajados. Pelos outros lugares onde existe o feriado a coisa não é muito diferente disso.

A data é uma das distorções mais sutis de nossa sociedade. Temos esta marca na história de nosso país, a escravidão. Primeiramente foram os índios e depois os negros — mais duradoura e marcante. Sabemos de todos os males que a escravidão causa, em qualquer sociedade ou em qualquer país. Ela é sinônimo e motivo de preconceito, faz estragos em povos inteiros e os custos de reparação são sempre enormes. Nada justifica o julgo de um homem sobre outro. Mas a reparação não se dá com datas e feriados. Talvez com um olhar para frente e não com uma lembrança contínua do “pecado” social.

Ultimamente, tem sido pregada no Brasil a idéia de que somo divididos em grupos raciais. Raça não existe, é um conceito derrubado pela ciência. Infelizmente, não foi derrubado em muitos corações e mentes. Aí é que a coisa pega. As mensagens de segregação vêm sendo lançadas sutilmente na sociedade brasileira. Insistir em símbolos como Zumbi é um deles. Outro? Reparem então no slogan do governo federal: Brasil um país de todos. Uma frase bonita, que não esconde certa verdade. Mas a logomarca é feita com várias cores que não se misturam. Uma contradição para um país que se caracteriza pela interação direta entre as várias cores de sua gente. Isso me faz lembrar uma propaganda antiga de um cigarro que mostrava pessoas com hábitos e escolhas diferentes, dizendo que as pessoas tinham algo em comum, mas exacerbando na separação.

Não me identifico com esse feriado. Sou negro, mas não sou tapado a ponto de achar que um feriado ajuda a mudar uma condição. Vejo nosso país como um lugar de encontros. Onde Villa-Lobos encontra Pixinguinha, onde Tom Jobim encontra Cartola. Onde negros, brancos, asiáticos e índios se apaixonam, se casam e formam uma gente alegre, misturada e diferente de qualquer lugar no mundo. Nossas diferenças e desvantagens sociais só serão resolvidas se caminharmos na direção do que nos faz iguais.

Para o feriado do próximo ano espero que faça o mesmo sol. Certamente dormirei mais negro do que acordei.

Comentários

  1. Concordo com o que você diz caro amigo, a consciência negra ainda não existe, isso é para inglês ver. Quer uma prova disso?pq existe a tal cota para negros ingressarem nas universidades?que na nossa epoca não existia e você disputou uma vaga ali juntinho comigo.Isso não é uma amostra da diferença?existe o dia da consciência branca?porque pelo que sei quase 50% da população do rj é de negros, então estamos em pé de igualdade e não existe o feriado dos brancos. Eu acho que só o fato de existir tal feriado já é uma diferença?ou não?fica a interrogação, para reflexão.

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  2. Hmmm, por que não fazem o Dia da Consciência Política? Ou da Consciência pela Saúde? Ou ainda pelo Dia da Consciência Social? Aí, sim, abrangeria toda e qualquer pessoa, indistintamente!
    E há quem precise (como eu!) de mais dois feriados que aludam às consciências das raças branca e indígena, que, unidos ao da Consciência Negra, representariam melhor a sua ascendência familiar. Melhor! Criem o Dia da Consciência Brasileira!! Pronto!! Ninguém fica de fora!!

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