Os Eutopagando

Brasileiro adora se meter na profissão dos outros. Nos automedicamos, sabemos com escalar uma seleção melhor que o Dunga, somos metidos à psicólogos, nutricionistas e arquitetos. Eu, engenheiro, adoro meter a minha colher na sopa dos sociólogos. Em meus “estudos”, vejo que tem um novo grupo social se formando, os eutopagando. Eles são aquelas pessoas que tem como argumento principal de insatisfação a célebre frase: Eu estou pagando.

Os eutopagando são oriundos de um outro grupo social antigo, mas em extinção depois da abertura política brasileira, os
sabecomquemtafalando. Eles não são descendentes diretos dessa antiga organização social, mas sim uma espécie de filho bastardo. E revoltado com essa condição de ter, mas não ser.

Essa gente pensa que tudo é uma questão mercantil. Ele paga, você entrega. E isso não é o que se imaginava até então, mas sim entregar o que ele quer receber. Independente de ser bom ou ruim. Vamos aos fatos ― essa é a melhor parte. Já reparam como andam as relações entre professores e alunos nas escolas particulares nos últimos tempos? Muitas delas deixaram o sentido maior da formação de alunos e passaram para o simplório comportamento pagou-passou. Os alunos ― e indiretamente seus pais ― são tratados meramente como clientes. E o cliente tem sempre razão. Errado! No preço de um produto ou serviço não estão incluídos o desrespeito, a falta de educação e polidez, a soberba e o descrédito. Sendo assim, nada justifica pais ausentes culparem professores pela falta de responsabilidade de seus filhos, que, via de regra, causa a reprovação destes. O professor (ou qualquer autoridade escolar) não pode repreender ou dar notas baixas os alunos e, em casos extremos, não pode mais reprová-los. O risco é desagradar e perder o cliente. Estamos vendo escolas de classe média virarem verdadeiras fábricas de monstros sociais. Adolescentes prepotentes, folgados que acham que a vida se resolve no grito ou na força bruta.

Os adultos eutopagando são aqueles que vamos encontrar tratando mal seus empregados, caixas de supermercado, porteiros, atendentes de lojas, etc.. E, na primeira oportunidade, lançam mão de seu lema, “eu estou pagando”. São opressores por natureza. Contudo esse comportamento é originado pelo medo da opressão. É o grande paradoxo. Como medo de serem oprimidos, eles oprimem. Um eutopagando morre de medo de perceberem a sua fraqueza, a pouca amplitude de seus horizontes e sua visão estreita da vida em sociedade.

Estamos passando por uma crise sem precedentes. O mundo que emergir dela será bem diferente do mundo que estávamos acostumados. Serão menos recursos, menos oportunidades e maior competição. Eu sou totalmente favorável à competição. Ela separa os melhores, os mais preparados. E ser mais preparado implica em ter ferramentas intelectuais e éticas mais refinadas. Pela seleção natural, num cenário como esse, os eutopagando tendem à extinção. Haveria um ou outro, mas eles cairiam no esquecimento. Talvez porque o custo real de se conquistar um lugar ao sol eles não estejam dispostos a pagar.

Eutopagando pra ver.

Comentários

  1. Numa visão otimista, eles tendem a extinção. Ultimamente nada que vejo nesse mundo me deixa otimista. Degradação moral, de relações, da natureza, da educação, da música, da literatura. Vejo alguns setores estacionados, como nas artes.
    A tecnologia sim, essa está cada vez melhor...
    Acho que por isso os "eutopagando" ainda terào vida longa, para nosso azar.

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