O pior da morte (Uma crônica sobre o que seria depois do fim)

O pior da morte não é ela em si.
Não é o ato de parar as funções vitais e interromper um espaço temporal.

O pior da morte começa no instante seguinte. Quando começa o tempo da falta.
Quem morre deixa um buraco. Não sabemos lidar com a ausência de quem nos é importante.
Quão duro é o aprendizado.

O pior da morte é quando varremos a casa, arrumamos os armários e esvaziamos as gavetas.
É quando pagamos a conta de luz, o condomínio e o seguro do carro. 
Cancelamos viagens, projetos e sonhos.
É quando organizamos as fotos e lemos cartas antigas. O pior mesmo é quando achamos aquele bilhetinho no bolso do paletó.

O pior da morte é voltar a certos lugares. Sentir o perfume preferido de quem morreu em alguém desconhecido.
É ser pego de surpresa pelo rádio tocando aquela música. É olhar a vitrine e lembrar que aquela roupa ficaria perfeita.

O pior da morte é o cinema sem as mãos juntas. Sem o beijo roupado na cena chata. Sem ter com quem dividir o  enorme saco de pipocas.
É o café solo, é não saber o que pedir no restaurante. É a festa em que, cercado de pessoas, sente-se sozinho.

O pior da morte é lembrar que, mesmo sendo morte, quem morreu ainda vive.

O pior da morte é tentar matar quem continuará vivo e não viverá com você. 

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