Pequeno Grande Incômodo

Início do século XX. A humanidade penava e morria com doenças como a tuberculose, pneumonia e outras advindas da falta de saneamento nos grandes centros urbanos. Crianças eram vitimadas pelo vírus da poliomielite. Avanços na medicina e reformas sanitaristas mudaram essa história. Foram descobertos os motivos de doenças cardíacas e neurológicas seus tratamentos mais eficientes. Até o câncer, que ainda tanto mata, tem algumas de suas modalidades aplacadas pelos avançados tratamentos oriundos de diagnósticos precoces.

Tudo parecia ir muito bem para o homem urbano ocidental — mesmo com o HIV, que está mais associado a um comportamento de risco. Mas sorrateira e discretamente outras doenças se apresentam em nosso meio. Muitos de nós já ouvimos, pelo menos uma vez na vida, algo sobre a LER (Lesão por Esforço Repetido), uma verdadeira praga nos escritórios, nas centrais de atendimento e nas salas de aula. Na verdade a LER não é uma doença, mas sim um conjunto delas: tenossinovite, tendinites, epicondilite, síndrome do túnel do carpo, bursite, dedo em gatilho, síndrome do desfiladeiro torácico, síndrome do pronador redondo e mais um monte nomes que não sabemos bem o que significam, mas que fazem um estrago enorme na vida de trabalhadores no mundo inteiro. Ela também não é nova. Na idade média há registros de uma Doença dos Escribas, que era a tenossinovite (uma espécie de tendinite, causada pelo atrito do tendão com o osso). No século XVI, o médico italiano Bernardino Ramazzini também descreveu os mesmos problemas percebidos em pessoas de seu tempo.

As vítimas de hoje são empregadores e empregados e tantas outras pessoas que tem atividades iguais ou similares as nossas. Conheço casos de pessoas que abreviaram suas carreiras por causa da LER. Gente que com menos de trinta anos estava encostada pelo INSS. Grandes talentos que caem doentes nos momentos de maior vigor em suas carreiras. Além disso, ainda existe o preconceito gerado pela ignorância. Muitos chefes insinuam que os sintomas apresentados não passam de frescura ou corpo mole. Mas muito pouca gente lembra que a LER está intimamente associada ao ritmo intenso de trabalho, pressão por resultados impossíveis, mobiliário e iluminação inadequados, entre outros motivos.

Sinais dos tempos. Prega-se a qualidade de vida e pessoas são impedidas de trabalhar porque seus músculos, tendões e ossos estão comprometidos. Elas são impedidas de realizarem atividades simples, acometidas por dores desconcertantes. Pior, são cerceadas não só de prosseguirem em seus sonhos profissionais, mas também da simples atividade de ganhar o seu próprio sustento.

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