Dez Anos

Era uma manhã solar e fria em Nova Iorque. O aeroporto JFK estava cheio, pessoas transitando apressadas. Ele e sua mãe esperavam a volta para o Rio de Janeiro, depois de uma curta viagem de férias que ele a dera de presente. Estavam cansados e felizes. Era a primeira vez que ela assistira a um espetáculo da Broadway, passeara pelo Central Park e participara um culto batista numa igreja do Harlem. Mas, aos 70 anos, eram muitas novidades para uma pacata dona de casa, que conhecia a Big Apple apenas pela tela da TV. Aguardavam na sala de embarque a chamada para o vôo. Alexandre foi buscar um café quente para manter-se acordado e aquecido. Na volta, apreciava a luz do sol que invadia os vitrais. "A luz aqui é diferente e tão bela", pensou.

Algo lhe chamou a atenção. Como que atendendo a um chamado silencioso, olhou para o lado esquerdo e não acreditou no que via. Fernanda, andava em passos apresados. Ele levantou rapidamente, largou o copo de café.
— Espere aqui, mãe. — disse sem esperar a reação.
— Fernanda? — Chamou num misto de incerta e medo.
— Alexandre! — Reconheceu, Fernanda, imediatamente abrindo seu sorriso largo.

Dez anos. Esse era o tempo desde o último encontro. Um almoço confuso, num discreto restaurante no centro do Rio. Naquele dia, muitas cosias foram ditas, outras escondidas. Alexandre nunca mais procurou Fernanda. Era custoso e doloroso manter um relacionamento cheio de incertezas para ambos. Decidiram tacitamente não manterem contato. Tempos depois, Alexandre teve a notícia que Fernanda teve uma filha com outro homem. Sofreu. Curou. Seguiu. Mudou sua vida radicalmente. Escreveu um livro de contos infantis, que foi um sucesso. Depois vieram outras publicações, mais sucesso, prêmios, fama, realização. Fernanda era uma lembrança que evitava. Depois de algumas noites em claro pensando em Fernanda, estava condicionado a não pensar em nada que a trouxesse à memória. Mas jamais buscou notícias suas.

Agora todo o tempo parecia pó. Ali estavam frente à frente. Ele disfarçou e olhou para os lados na intenção de saber se ela estava sozinha. Investigou as mãos de Fernanda... Queria achar uma aliança de casamento que fosse. Nada.
— Nossa! Quanto tempo. E eu encontro você num aeroporto em Nova Iorque.
— Verdade! Coincidências...
Ela diminui o passo, na tentativa de estender aquele momento. Alexandre a olhava fixamente. Não existia mais nada que fosse capaz de tirar a sua atenção. O tempo que passou mudara a vida de ambos. As marcas nos rostos eram visíveis. Mas a beleza profunda de Fernanda e o jeitão adolescente de Alexandre se mantiveram intactos.
— Você não mudou nada. — constatou Alexandre.
— Engordei e envelheci. — retrucou Fernanda, debochadamente.
— Besteira. Você continua linda, dez anos passaram bem devagar para você.
— Não perdeu a mania do galanteio. Mas agradeço o elogio. Li alguns de seus livros com a minha filha e leio sua coluna na revista. — emendou Fernanda.
— Jura? — Alexandre fingiu surpresa, no fundo sentindo regozijo.

Fernanda acelerou novamente. Lembrou que seu vôo estava prestes à sair. Alexandre a acompanhou até o portão de embarque, enquanto diziam o que poderia ser dito naquela situação. Ambos se utilizaram de uma protetora reserva. Ele a olhava como se tivesse a certeza que não a veria pelos próximos dez anos. Venceu o medo e perguntou:
— Será que vou te ver de novo?
— Estou indo para Los Angeles, volto para o Rio em uma semana. Você sempre soube me achar. Se quiser, não será diferente agora. - respondeu Fernanda com o mesmo sorriso que o encantara quando se conheceram.

O sistema de som avisava da última chamada para o vôo de Fernanda. Quase que automaticamente, se abraçaram. Um abraço de dez anos. Ela passou o portão de embarque, acenou e mandou um beijo.

Alexandre voltou silenciosamente e se sentou ao lado da sua mãe. Estava dez anos mais jovem.
— Quem era aquela moça? Por que você sumiu atrás dela? Como você me deixa aqui sozinha? - reclama a senhora assustada.
— Relaxa, mãe. É coisa minha... Coisa minha... Minha...

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