"Esquenta" e queima (o filme).

O Jornalista capixaba Marcos Sacramento perguntou se a atração dominical  "Esquenta", exibido na Rede Globo, é o programa mais racista da TV. (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-esquenta-de-regina-case-e-o-programa-mais-racista-da-tv/)

Eu respondo: Sim. Disparado.

Começo pela sua apresentadora, Regina Casé. Não é de hoje que ela se faz às custas de esterótipos pejorativos. Casé é muito, mas muito, inteligente e percebeu que captar e usar a linguagem das ruas. E agora tirou da cartola mágica este programa. Muitos não percebem, mas "Esquenta" é um reforço ao modelo que os negros brasileiros foram condenados, desde o fim da escravidão. 

Explico:

Em "Esquenta", o que existe é o reducionismo dos negros brasileiros ao caos. Isso é refletido no cenário, nos continuismos e cortes do programa, como as atrações se apresentam. É tudo bagunçado, poluído visualmente, com jeito de improvisado, de feito de repente. Igual a um churrasco na lage. Aí é que está o ponto. Muitos negros brasileiros, sim, fazem churrasco na lage (tem seu valor). Mas a vida dos negros brasileiros não é um "churrasco na lage".

O negros brasileiro também é médico, advogado, engenheiro, profissional liberal, técnico, músico, artista, empresário nos mais variados ramos, funcionário da indústria, militar, servidor público, professor, dentista, bancário. É aquele rapaz que trabalha durante o dia e estuda a noite, pensado no futuro com mais oportunidades. Aquela moça que juntou dinheiro, para investir no sonho do negócio próprio. É aquela senhora que ajuda a instituição de caridade. Ou, então, o senhor que vai aos cultos de sua igreja todos os domingo, usando seu melhor terno. Pode ser o seu vizinho, o melhor amigo do seu primo. Pode ser a mulher do seu professor de yoga. Pode ser o seu professor de yoga. São pessoas comuns, com códigos de comportamento, sonhos, gostos,  expectativas e anseios iguais aos dos demais cidadãos, de qualquer cor.

"Esquenta" não mostra a contribuição do negro na literatura, na artes, nas ciências. Não nos faz sentirmos orgulhosos. "Esquenta" nos envergonha. Não vivemos fazendo "quadradinho de oito", pintado nossos cabelos de louro, nem levando um cavaquinho e um pandeiro por todos os cantos. Não somos só isso!

"Esquenta" o quê? Nada. Quando não requenta o tom jocoso reservado ao negro brasileiro, queima o filme de quem luta todos dias para não ser tratado de forma inferior. Os negros brasileiros são reconhecidamente minoria nos bancos dos universidades, nos cargos de gerência, nos condomínios de luxo, nas listas de clientes das lojas de grife. São os que mais sofrem nos grandes centros com a baixa qualidade da educação, saúde e saneamento fornecidos pelos governos. Não precisamos de um programa que não nos agrega, não conscientiza e não busca tratamento parelho. 

"Esquenta" não prega o mais belo dos paradoxos, que é a igualdade entre os diferentes. O programa somente aumenta a distância entre negros e brancos, dando uma pseudo impressão de que tudo que vem do negro tem uma pitada de exótico e até - por que não? - esquisito. 

Parece óbvio, mas não custa lembrar. "Esquenta", não é a realidade dos negros brasileiros, no que tange aos seus ideários. É uma atração televisivas que usa elementos das culturas negra, urbana e dos guetos como uma bitola que impede a sociedade de olhar para qualquer direção que não seja a do status quo. Impõe o conformismo. Os negros que participam em seu casting fixo são, em sua maioria, artistas que vêem o contrato com a Rede Globo uma chance (talvez, a única) de se firmarem no âmbito nacional. Os demais, estão na busca de seu momento de fama. Mesmo que isso custe a má e falsa fama de outros muitos. 

"Esquenta" aprisiona o negro brasileiro em modelos aos quais ele já foi condenado. O funkeiro, o pagodeiro, a garota com roupas mínimas e sexualidade máxima, o garoto que quer ser jogador de futebol quando crescer, a menina que quer ser passista. Sim, aprisiona, já que não enfatiza que os negros podem desempenhar muito mais do que um papel preestabelecido, à margem da sociedade. Não mostra que todos, de qualquer cor de pele, podem exercer suas potencialidades de forma plena. 





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