"Da igreja"

Hoje ouvi algo muito preocupante. Alguém disse que, preferencialmente, mantinha em seu círculo de relacionamentos e amizade somente pessoas "da igreja". Eu retruquei, dizendo que isso não fazia sentido. Pois, vivemos cercado de pessoas com os mais diversos pensamentos e crenças. Meu interlocutor insistiu no argumento, alimentado a ideia de que restringia ao máximo essa possibilidade, inclusive nas amizades de sua filha.

É reprovável, preconceituoso e muito distante do que o Cristo pregou e viveu. Ele era cercado de gente que não acreditava ou não entendia a sua mensagem. Ele impediu a execução por apedrejamento de uma mulher acusada de adultério, jantou na casa de um fiscal corrupto. Dentre seus amigos mais próximos, havia um traidor que o entregou à morte por um saco de dinheiro e um covarde que negou o ter conhecido. Jesus não tinha preconceito de origem, gênero ou condição social. Mostrou isso batendo um bom papo uma mulher, samaritana e bígama. Tocava em leprosos, quando a ciência ainda não havia descoberto como evitar o contagio da doença. Para fechar a tampa, foi crucificado (a mais humilhante das modalidades de execução naquela época), entre dois assassinos. Sendo que um deles se arrependeu do que fez e ouviu do próprio Jesus a garantia de que, em poucos instantes, estaria no paraíso. (Esse tirou muita onda!)

A "igreja", na história terrena de Jesus, tem um cunho, de certo modo, negativo. Era a sinagoga. E os "da igreja", os fariseus e outros doutos da Lei de Moisés. Lei essa que foi simplificada em duas: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximos como a si mesmo. Amar ao "próximo" não é amar ao "próximo da igreja". É amar aquele pai-de-santo que mora no apartamento da frente, ou o budista do trabalho, ou o ateu que faz o MBA na sua turma. Jesus veio para todos. E se alguém que acredita nele achar que seu mundinho está resumido aos "da igreja", danou-se. Em Mateus 5:13-16, Jesus diz:

“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade construída sobre um monte. E, também, ninguém acende uma candeia e a coloca debaixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca-a no lugar apropriado, e assim ilumina a todos os que estão na casa. Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus."


Toda vez que Jesus ia na "igreja", arrumavam uma confusão com ele. De tanto ser inquirido, questionado e sabatinado, culminou numa prisão político-religiosa que o levou à morte. Está tudo lá na Bíblia, o livro mais mal usado do Ocidente. Principalmente, aos domingos...

Eu tenho amigos e amores dentro e fora "da igreja". Minha família (pais, irmã, cunhado...) é "da igreja". A mulher que mais amei na vida não é "da igreja". Meu melhor amigo é "da igreja". O sujeito que me estendeu a mão num dos piores momentos da minha vida, e pelo qual tenho carinho e gratidão enormes, nunca foi "da igreja". A "igreja" está repleta de pessoas boas. Fora dela também. Na "igreja" tem gente que me fez sofrer profundamente. Fora dela idem.

No final das contas, o que me parece faltar à "igreja" é ser Igreja, de portas e braços abertos. Ser local de acolhimento e ser, paradoxalmente, um não-lugar. Expandir-se e cobrir as pessoa da graça que Jesus nos concedeu morrendo numa cruz.

Que Deus continue me dando sabedoria e amor para além "da igreja". Que Ele destrua em mim qualquer traço de soberba e não permita que minha visão se estreite.

(Alexon Fernandes, em 18 de abril de 2015)

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