Somos todos tricolores.

Reclamou-se dos voos com o avião da FAB de Renan Calheiros. Reclamou-se dos cabides de empregos no Senado no armário de José Sarney.  Reclamou-se da banheira de hidromassagem de Benedita da Silva no apartamento funcional em Brasília. Reclamou-se do helicóptero de Sérgio Cabral. 

Mas a sociedade brasileira é reflexo disso tudo. Cada um quer seu passeio no avião da FAB, sua banheira de hidromassagem ou seu helicóptero. Afinal, são prerrogativas e privilégios do cargo. Em tese, não há lei que proíba um governador de andar de helicóptero. Ele pode alegar fatores relacionados à segurança, velocidade de deslocamento e até de privacidade estratégica. Todos motivos, digamos, legítimos. Renan Calheiros, ao ser perguntado se pagaria por seus vôos nos aviões da FAB foi taxativo: "De jeito nenhum. Sou um senador e chefe do Legislativo."

Moralidade e legitimidade se enfrentam no campo da Justiça. O STJD nos mostrou isso, ao julgar o "caso Portugesa". Mostrou o reflexo de tal espelho dos brasileiros. No fundo, queremos mesmo é nos dar bem. Se tiver embasamento jurídico, melhor ainda. Desculpa mais eficiente não há. "Está na lei. Vamos descumprir a lei?" Dá até um sentimento de pecado em que discordar. A Portuguesa de Desportos errou ao colocar em campo durante uma partida (e não escalar, há diferença) um jogador impedido de jogar. Mas o atleta não influenciou em nada o resultado. Foi punido. Mas o Fluminense foi premiado. Não só o clube foi premiado. Mas também a incompetência técnica, a insuficiência atlética e a inabilidade gerencial. 

Entretanto, o mais impressionante não é o comportamento do clube, de seus dirigentes e de seu corpo jurídico. Já era esperado algo similar. É histórico. Mas da torcida, não. Os torcedores tricolores se gabam de sua índole, apregoam sua "nobreza" e sofrem com a marcação cerrada dos adversários por conta da virada de mesa que fez o clube disputar uma série A, sem passar pela série B (Eurico Miranda merece uma menção neste episódio). Sinceramente, esperava certo constrangimento. Certo desconforto. Certa inibição por parte dos tricolores. Surpresa da ocasião: comemorou-se. Com a alegria de quem passeia de helicóptero à custo zero. Com o prazer de um banho numa banheira de hidromassagem. 

Eu sou um tolo cheio de esperanças. Desilusão. Afinal, somos todos "senadores da república". Somos todos "tricolores". Somos todos "brasileiros". 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Maio e Miles (Capítulo 4): Kind of Blue

Acredita

Uma Semana