Novo ano novo.
Era fim de ano. E ele sempre fazia votos, todos finais de
ano. De que mudaria a vida, de que emagreceria, de que se alimentaria melhor. De
que mudaria de emprego, para algo que o fizesse feliz. Arrumou algumas gavetas.
Encontrou fotos antigas de amigos dos tempos da faculdade de Economia.
Com alguns ainda tinha contato raro, já outros eram somente uma lembrança da
foto amarelada que registrara um momento feliz de qualquer um daqueles anos agitados. Achou
também bilhetes de passagens aéreas, postais, contas vencidas e até um cartão
de aniversário de uma ex-namorada. Rasgou algumas coisas, outras guardou em uma
pasta dessas de papelão. Etiquetou: Fotos e lembranças.
O telefone tocou. Era sua mãe, perguntando se ele iria no
almoço de final de ano. “Seu pai está doente. Vai gostar de ver você”,
ressaltava ela. A doença do pai era algo que lhe incomodava. O homem ativo e
audacioso de outrora, agora era um velho fraco e dependente. Não gostava de ver
seu pai, um verdadeiro herói da sua infância, naquele estado. O sentimento era
uma mistura de pena e revolta. Queria contar ao seu pai as conquistas e pedir
conselhos na eminente derrota. Mas o que tinha era apenas um olhar distante,
uma sombra do homem que lhe ensinara a ser homem. Enquanto falava com a mãe ao
telefone, abriu a geladeira. Vazia... Prometeu ir ao almoço e decidiu
mentalmente levar flores para ela.
Saiu para andar. Acenou rapidamente ao porteiro. Tinha o
hábito de sempre acenar aos porteiros quando saia e voltava para casa. Tinha medo
de ninguém ter essa informação. Talvez, por preocupação com que algo acontece ao pai
e ninguém tivesse como avisá-lo. Caminhou por alguns quarteirões. Três,
precisamente. E chegou à praia. Fazia sol, mas havia uma brisa morna. A cidade
estava cheia de gente. Turistas, crianças, e aquele movimento o deixava confuso.
Chegou a areia e sentou. Olhava fixamente para o horizonte. O barulho ritmado
das ondas quase o levavam ao transe. Lembrava dela. Quebrou a promessa. Ligou.
Caixa postal. Desligou sem deixar recado. Julia era a ex-namorada do cartão de
aniversário. Desde que se separaram a sua vida amorosa não se acertou. A de
ambos. Quinze minutos se passaram. Ele imóvel de frente para o mar. O celular
toca. Era Julia. Ele atende.
— Oi. Tudo bem? Aconteceu alguma coisa com seu pai? — pergunta ela, surpresa.
— Não aconteceu nada. Só liguei para saber de você. — responde
ele, sem muita articulação.
— Tudo bem... Estou fora do país... Volto depois do réveillon.
Dia 03. Falamos melhor depois. — justificou, um tanto esperançosa e apressada.
— OK. Feliz ano novo. Beijo.
— Feliz ano novo para você também. Manda um beijo para seus
pais. Tchau. — despede-se Julia.
Olhava para o celular, como se este era o único e precário
meio de se aproximar da mulher que ainda amava.
Fim de ano... Sempre uma
questão velha a ser resolvida. O excesso de peso, a vida sedentária, o fantasma
da doença do pai, o trabalho que não satisfaz, o amor mal resolvido. Prisão da
vida adulta. Foi quando decidiu dar um mergulho na água ritmada de Copacabana.
Sentiu paz. E o que é a paz? Para ele era encarar de vez o que o fazia ter
medo. Voltou para o apartamento. Tomou um banho, fez a barba. Arrumou-se. Saiu.
Comprou flores para a mãe. Abraçou demoradamente seu pai. Parecia que o seu
ano novo seria realmente novo.
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