A pior parte do corpo é o umbigo.

Eis que entra no ar a famigerada série “O sexo e as Negas”, de Miguel Falabella, exibida pela TV Globo. Uma das mais descaradas, cretinas e repulsivas caracterizações da mulher negra na televisão brasileira. Quiçá a pior de todas. Quatro mulheres negras que simplesmente resolvem seus problemas com... sexo.

Descartando a disfarçada apologia às drogas e ao tráfico (através dos funks “proibidões” na trilha sonora), o que se vê é um esculacho da figura da mulher negra comum (leia-se classes mais pobres, moradora de bairros tão pobres quanto). Vindo de Falabella, nada me surpreende. Ele é dado ao escracho, uma espécie de escracho-chique, uma linguagem com tom mais alto, geralmente interpretada por atores brancos, com linguagem popular, misturando termos da norma culta com erros (propositais) de concordância, geralmente depreciando o pobre, o preto, o aleijado, o gordo, o feio e o gay com baixo poder aquisitivo (a bicha pobre). Nunca o biótipo de quem interpreta a esquete, o alvo é sempre o outro. Essa estética de humor eclodida nos anos 1990 e segue até os dias de hoje, seu representante mais festejado atualmente é Paulo Gustavo.

Falabella, espertamente, alega ter salvo conduto para falar de pobres. Isso porque ele considera o fato de crescer na Ilha do Governador ser sinal de pobreza. Como assim, cara pálida? A Ilha do Governador, como muitos outros bairros do Rio de Janeiro, tem de tudo: ricos, pobres, remediados, favelados. Servido desta condição, o autor cria um paralelo ao “Sex & the City”, gringo, com mulheres bem sucedidas profissionalmente, gostosas, bem vestidas e... brancas! Só que este paralelo é viciado e, geometricamente, está mais para perpendicular. O sexo e as negas de Falabella tem quatro mulheres pobres, com empregos mal remunerados, são feias, mal vestidas e... negras!

O preconceito (disfarçado, mas preconceito) de Falabella é a típica manifestação do racismo brasileiro. Dissimulado, este sentimento se escora em justificativas como “eu tenho amigos negros”, “eu acho os negros lindos”, “eu tive um grande colega negro”, “eu cresci com negros na mesma rua”, para permanecer intacto. Com relação às negras a coisa é pior. Pois, se há um relativo respeito e até certo temor com relação a uma suposta virilidade inabalável dos negros, as mulheres negras são vistas em muitos casos como uma fonte de prazer fácil e fugaz. Via de regra, (sem trocadilho) às escuras, escondido e até com certa sensação de pecado social.

Contudo, só uma coisa supera a maldade de Falabella. O umbigo de cada atriz e que aceitara atuar como uma das negas do loiro da Ilha do Governador. O umbigo para mim tem um símbolo filosófico. Ele representa o nosso egoísmo. Olhar para o próprio umbigo não é nada mais que ser egoísta, não se importar com o que seus atos podem causar, a quem se pode ferir com eles, quais as desastrosas consequências isso pode causar. E assim as quatro atrizes se comportaram ao dizerem “sim” à Falabella.

Surpreendentemente, as atrizes toparam fazer isso. Por que seria? Busca de reconhecimento profissional (“Mãe, tô na Globo!”), fama, dívidas sufocantes, tudo isso junto? Não importa a resposta. Topar uma coisa dessas atinge gravemente uma coletividade inteira. É um reforço de um estereótipo que tantas mulheres sofrem para se livrar. No momento em que escrevo este texto, há milhões de mulheres negras trabalhando duro, estudando pesado, transitando pelas cidades e campos, em condições que nem imaginando, com um único sonho: dignidade.  Nem mais nem menos. Apenas a mesma dignidade que as mulheres brancas são tratadas em sua grande maioria.

Essas quatro atrizes, ao visarem somente seus negros umbigos, cometem um suicídio moral e levam consigo gente que não nada a ver com sua péssima escolha. O egoísmo dá frequentes e demorados abraços na burrice. É o que vemos. As moças deram uma banana para o que pensam num dos países mais racistas do planeta, receberão sua graninha do cachê global para os times de segundo ou terceiro escalão, resolverão seus respectivos problemas e que se dane-se o que as outras negras sofreram, sofrem e sofrerão ainda.


Realmente, o umbigo é a pior parte do corpo. 

Comentários

  1. todo mundo sabe que o Sr. Miguel Falabella, detesta pobre e é racista; por isso não devemos perder tempo com essa infeliz pessoa

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