Bulling uma ova.

Eu não escrevi sobre o massacre de Realengo por dois motivos: porque estaria fazendo o que todo mundo faz (o que colide com a filosofia deste blog) e porque depois de certo distanciamento temporal, as idéias ficam mais claras. Agora, talvez com mais clareza, eu possa dividir ―ou multiplicar, no caso da Internet ― o que ficou para dessa história toda.

Pouco ou quase nada se discute sobre a formação de uma mente doentia do assassino, nem se questiona as condições em que ele foi criado, como sua personalidade foi formada, o porquê da escola não ter percebido possíveis problemas e não ter dado a orientação aos responsáveis do (então) garoto. Contudo, vimos e vemos uma onda crescente de mesas redondas, debates, programas de televisão, reportagens de jornais e revistas falando sobre o bulling. O bulling virou o vilão, o culpado, a mola propulsora para desvarios e assassinatos em série. Devagar com o andor, minha gente.

Eu sofri bulling. E não foi na escola, não. Foi na igreja (batista) mesmo. Haviam dois garotos, um pouco mais velhos que eu, que faziam chacota da minha magreza, dos meus centímetros a menos de altura. Mas tarde eles focaram suas encarnações nas marcas das (muito boas) roupas que eu usava. Ao ponto de puxarem as etiquetas para averiguarem de qual grife as roupas era.. Nem por isso eu invadi um culto e metralhei todo mundo. Eles estão por aí, tocando suas vidas, eu estou aqui, tocando a minha. Sabe lá se eles não passaram o mesmo que me fizeram passar. Espero que não, é muito ruim.

Sei de gente que sofreu bulling dentro de casa. Que foi humilhada e agredida por pais, irmãos, tios, primos, avós e vizinhos. Nem por isso repetem o mesmo com seus próximos. Há mulheres que foram violentadas por pais desnaturados ou padrastos cretinos, mas que conseguiram recuperar sua auto-estima e hoje amam e se relacionam de forma saudável. Há pessoas que sofrem bulling de seus chefes, colegas de trabalho, esposas e esposos, mas não repassam a maldade. Há até povos que sofrem bulling de seus políticos e governantes, mas que protestam pacificamente e mudam a situação.

Será que todos os assassinos da história da humanidade sofreram bulling? Pra ficar na moda... Osama Bin Laden, um homem que nasceu riquíssimo, sofreu bulling? Será que tinha um americaninho na escola dele que o chamava de narigudo? (“Hey, big nose! What’s up?”) Será?

O bulling é a palavra da moda. Até o Roberto Requião fez uso dela par se safar de problemas com a imprensa. Já tem até variações bem pitorescas de pronúncia. É um problema sério e como tal deve ser combatido e evitado. Como se faz? Respostas existem várias. Mas dotar educadores e instituições de ensino de instrumentos para lidar com a situação é um bom começo. Acompanhar e, se necessário, tratar das pessoas que passaram por isso, é tão bom quanto. Mas o melhor é esclarecer que o bulling não é o princípio de todos os males da mente humana. Aliás, ele também é uma conseqüência desses males. Ele existe, explica muita coisa, mas não justifica tudo.

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